Efeitos da Pandemia nas Locações Comerciais – Precedentes do Poder Judiciário

Acabamos de completar dois meses de atendimento às medidas governamentais para combate à disseminação da Covid-19, doença que parou o Brasil e, certamente, será responsável pela maior crise econômica e social de nossa história recente.

Em atenção a declaração de emergência em saúde pública, efetuada pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde, os Governadores e Prefeitos restringiram diversas operações, públicas e particulares, objetivando a efetivação do isolamento social para redução da infecção pelo vírus causador desta pandemia.

Dentre inúmeras restrições governamentais, a necessária intervenção da operação do comércio é impactante para grande parte da população. Em Decretos específicos, porém com textos semelhantes e respaldados nas orientações do Ministério da Saúde, os Estados e Municípios vêm regulando a operação do comércio, tanto os situados em malls quanto os conhecidos “de rua”.

No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, através do Decreto 46.980, de 19 de março de 2020, o Governo determinou a suspensão, por 15 (quinze) dias, das operações comerciais realizadas nas dependências dos shoppings centers, galerias, centros comerciais e estabelecimentos congêneres, excepcionando as atividades de supermercados, farmácias e serviços de saúde.

Em seguida, através do Decreto nº 47.282/2020, o Prefeito do Rio de Janeiro determinou, entre outras medidas, a suspensão do funcionamento do comércio, ressalvando os estabelecimentos que pratiquem atividades relativas à comercialização de alimentos (supermercado, hortifrutis, peixarias, açougues, entre outros) e postos de combustíveis. Referidas medidas foram estendidas até o final de maio, através de novos Decretos, Estaduais (47.068) e Municipais.

As determinações dos Governos locais estão intervindo em diversas relações contratuais, entre elas, as relações estabelecidas entre os locadores e locatários de imóveis destinados a comercialização de produtos não essenciais, como roupas, sapatos, acessórios, utensílios domésticos, eletrodomésticos, móveis, etc. No mesmo sentido, os locatários de imóveis para prestação de serviços não essenciais, como salões de beleza e estética, esmalterias, etc.

Referidos locatários, que tiveram suas operações suspensas por conta de ordem do Governo (fato do príncipe), em regra, permanecem forçados ao cumprimento de suas obrigações, como folha de funcionários, impostos, taxas, encargos, seguros, bem como o custo da locação do imóvel.

Diversos argumentos legais são cabíveis para isenção ou redução do custo da locação durante o período em que vigorar a ordem do Governo de suspensão da operação, claro, com especificidades para cada seguimento, modelo de operação, em atenção a regulamentação da região.

Alguns Tribunais, sensíveis ao dramático momento, que impõe a pronta intervenção do judiciário, já se manifestaram a respeito dos pedidos formulados por alguns locatários. Por exemplo, uma rede de fast food situada no Shopping Bangu (RJ), obteve, em tutela de urgência, nos autos do Agravo de Instrumento nº 0022449-49.2020.8.19.000, a redução do custo total de ocupação (CTO) praticado a 30% (trinta por cento) dos valores originais, em atenção ao princípio da preservação da empresa e empregos. O Tribunal do Estado do Rio de Janeiro entendeu o óbvio: “não havendo entrada de receita, não há como honrar despesas”.

No mesmo sentido, entendeu o Juízo da 7ª Vara Cível da Comarca de São Gonçalo, que deferiu a tutela de urgência pleiteada pela locatária, nos autos da ação renovatória nº 0010308-83.2020.8.19.0004, reduzindo o custo de ocupação da loja em 70% (setenta por cento) do valor praticado. O magistrado reconheceu a necessidade da concessão da medida de urgência, durante o período de suspensão das atividades da loja, em proteção da saúde da empresa, bem como da cadeia produtiva envolvida por meio de fornecedores e funcionários.

Já o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, nos autos da ação cautelar antecedente nº 0709038-25.2020.8.07.0001, ajuizada por um lojista do ramo de vestuário, determinou a suspensão da cláusula contratual que estabeleceu aluguel mínimo mensal e fundo de promoção e propaganda. Em outras palavras, como no referido caso o custo de ocupação do lojista é variável sobre o faturamento da loja, o Tribunal manteve apenas o aluguel percentual e os encargos condominiais, enquanto a operação do lojista permanecer suspensa por ordem do Governo.

Outro exemplo de decisão judicial em prol da sobrevivência empresarial do locatário, foi proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos do processo nº 1026645-41.2020.8.26.0100, no qual o Tribunal reduziu 70% (setenta por cento) do aluguel. No entendimento do magistrado é “cabível a revisão episódica dos alugueres, com a finalidade de assegurar a manutenção da base objetiva, para ambas as partes, gerando o menor prejuízo possível a elas, dentro das condições de mercado existentes.

Em mais um precedente do tribunal bandeirante, foi adotado o percentual de 50%, nos autos do agravo de instrumento nº 2065372-61.2020.8.26.0000, no qual o locatário, do seguimento de vestuário obteve, em sede de tutela, a redução do aluguel durante a suspensão de suas atividades físicas. Consoante entendimento do TJ/SP deve ser repartido “entre a locadora e a locatária o esforço necessário para garantir a continuidade da relação jurídica em questão neste momento de crise.”

O Tribunal do Estado do Espírito Santo também se pronunciou sobre o assunto, nos autos do agravo de instrumento nº 5000805-68.2020.8.08.0000, aduzindo que “não há duvidas que o momento atual em que vivemos, diante do estado de calamidade pública e das restrições ao livre desenvolvimento da atividade empresarial provado pela pandemia do coronavírus, consiste em fato extraordinário e imprevisível, sendo facilmente vislumbrados prejuízos econômicos dele decorrentes para ambas as partes envolvidas.”

Ainda, complementando sua fundamentação para redução em 50% do aluguel mínimo mensal previsto em contrato e suspensão do pagamento do fundo de promoção e propaganda, disse que “diante da natureza bilateral, comutativo e de execução continuada do contrato entabulado, e mais, justamente pela imprevisibilidade para ambas as partes da situação que enfrentamos, há que se impor um equilíbrio nas relações comerciais para que não se atribua apenas a uma das partes o ônus de um evento dessa natureza e para o qual não contribuiu.”

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais também já decidiu sobre o tema, nos autos do processo nº 5055376-73.2020.8.13.0004, em trâmite perante a 33ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte. A locatária, que possui empresa destinada à venda de artigos de vestuário, em tutela de urgência, obteve a suspensão do aluguel mínimo mensal e do fundo de promoção e propaganda, bem como a redução de 20% (vinte por cento) dos encargos condominiais, durante o período de suspensão das atividades.

Como visto, os Tribunais, exercendo sua sagrada missão de realizar a justiça, com autonomia, equidade, sensibilidade e equilíbrio, têm observado a necessidade de adequação temporária do custo da locação enquanto a atividade comercial do locatário permanecer suspensa por determinação do Governo.

Não restam dúvidas que o País está enfrentando enorme e inesperada crise econômica e social e, neste momento, não se pode imputar o ônus da pandemia somente à uma das partes envolvidas. É preciso compreensão e esforço de ambas para manutenção da relação contratual e sobrevivência empresarial.

A orientação, por certo, é que as partes entrem em consenso. Mas, uma vez esgotadas as negociações, a saída é se socorrer no poder judiciário que, com sabedoria e bom senso, tem mitigado os efeitos da crise, repartindo, entre locador e locatário, as nefastas consequências do fechamento do comércio.