Alteração no procedimento dos Juizados Especiais introduzida pela Lei 13.994/2020 – simplificação ou complicação no procedimento?

No dia 27 de abril de 2020, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 13.994/2020, que introduziu modificações na Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais). A principal novidade trazida pela referida legislação é a possibilidade de realização das audiências conciliatórias do procedimento sumaríssimo com a utilização de meios digitais de transmissão de imagem e som em tempo real (as chamadas videoconferências).

Em que pese a sanção da Lei ocorrer em meio à pandemia da Covid-19, que impôs medidas de restrição à circulação de pessoas e atos presenciais no âmbito do Poder Judiciário, a inovação legislativa já vem sendo debatida desde 2019. A Lei em questão adveio do projeto nº 1.679/2019, de autoria do deputado Luiz Flávio Gomes (PSB/SP), tendo sido aprovada no Senado no dia 12/02/2020.

Fato é que a sanção da Lei veio em momento oportuno. Apenas no Rio de Janeiro, as audiências presenciais foram suspensas por um prazo inicial de 60 dias (encerrando-se no próximo dia 15/05), devendo tal suspensão, contudo, ser prorrogada, considerando o avanço da doença em todo território nacional.

Assim, a medida legislativa sancionada apresenta uma alternativa para que o procedimento sumaríssimo mantenha o seu rito, da realização da audiência conciliatória, na forma prevista na seção VIII do Capítulo II da Lei 9.099/95.

Entretanto, apesar do alento no momento de crise vivenciado, a Lei apresenta divergências interpretativas que podem, neste momento inicial, gerar confusões entre os militantes dos Juizados Especiais.

Afinal, pela nova redação do artigo 23 da Lei 9.099/95[1], foram previstas duas formas distintas de não comparecimento do demandado, que ensejariam o julgamento antecipado da lide: A recusa no comparecimento ou a simples ausência injustificada. A redação antiga do dispositivo simplesmente previa que o não comparecimento à audiência geraria o julgamento antecipado.

Neste caso, dada a redação do artigo, surgem algumas dúvidas ao intérprete: Seria a penalidade do julgamento antecipado aplicada tão somente em caso de ausência à tentativa de conciliação não presencial? Seria o efeito da revelia aplicável apenas no caso da recusa do demandado em comparecer à sessão não presencial? E qual seria a consequência da ausência do demandante à tentativa virtual de conciliação?

Qualquer tipo de afirmativa neste momento seria mera opinião, fundamentada nas convicções pessoais de cada intérprete da Lei. Visando oferecer estabilidade e segurança jurídica, as dúvidas interpretativas advindas da inovação legislativa deverão ser apreciadas rapidamente, preferencialmente pelo CNJ, visando esclarecer os procedimentos a serem observados diante da novidade introduzida.

Parece-nos, portanto, que a inovação legislativa, embora extremamente positiva, especialmente neste período de isolamento social, poderá gerar conflitos que simplesmente deixariam de existir, acaso a redação da Lei apresentasse soluções mais completas para o rito sumaríssimo, especialmente no período pós-pandemia, com a retomada das conciliações presenciais.

Há de se ressalvar, também, a questão técnica envolvida na realização de uma sessão não presencial. Afinal, muitos dos processos que tramitam perante os Juizados são promovidos por pessoas hipossuficientes, que não possuem acesso ou familiaridade com os meios tecnológicos de videoconferência.

Neste caso, a barreira tecnológica poderá afetar o andamento do processo de alguns jurisdicionados. Mas esta não é a única dificuldade técnica envolvida na novidade.

O litisconsórcio ativo e passivo pode gerar uma sobrecarga de conexões simultâneas nos servidores pessoais de cada um dos envolvidos na sessão conciliatória. Exemplificativamente, uma sessão com dois autores e dois réus poderá ter até 9 conexões ativas simultâneas, considerando os demandantes, demandados, seus advogados, e o conciliador. De que modo tais conexões poderão ser realizadas de forma a não comprometer o bom andamento da sessão? Através de qual aplicativo?

Estas questões de caráter técnico também deverão ser observadas pelos Juizados em todo o País, visando estabelecer procedimentos adequados e, preferencialmente, uniformes, de modo a evitar que as partes suportem quaisquer prejuízos decorrentes de problemas de conexão, o que, diga-se de passagem, poderá ocasionar demora exacerbada dos processos, diante da possibilidade de alegações de nulidades pelas partes.

De todo modo, considerando o Princípio da Celeridade Processual que rege os processos em curso nos Juizados Especiais, a possibilidade de realização de sessões conciliatórias virtuais representa um alento a todos os jurisdicionados que não enxergavam um horizonte para os seus processos, interrompidos em razão da suspensão das audiências presenciais em todo o território nacional.

 Mateus Martins Guimarães, especialista em Direito do Consumidor.

 [1] Art. 23 – Se o demandado não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o Juiz togado proferirá sentença